O livro Alice no País das Maravilhas foi publicado em 1865, no auge da era vitoriana na Inglaterra. Antes de explicar o que foi o período vitoriano e como este influenciou na elaboração do livro, iremos mostrar um pouco do que se passava na Inglaterra e no mundo naquela época.
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Centro urbano na Inglaterra - período da Revolução Industrial |
Entre o fim do século XVIII e o início do século XIX, houve a Revolução Industrial que mudou todo o sistema político-econômico dos países. Antes, tudo era centrado no campo com a produção artesanal dos produtos. Mas, com a mecanização da produção, houve um aumento da produtividade, um foco nas áreas urbanas (antes pouco povoadas). Já na metade do século, a maioria da população inglesa, bem como a europeia em geral, estava situada na cidade e não mais no campo.
Além da Revolução Industrial, houve também uma grande mudança no poderio mundial. Santos cita em seus estudos que o império francês que dominava o mundo até então começou a cair e o império britânico tomou o seu lugar de potência mundial. Foi a partir daí que este império começou a crescer. O rei começou a incentivar o comércio e o desenvolvimento no campo das ciências exatas (matemática, química, física, elétrica). Portanto, podemos dizer que o autor de Alice nos País das Maravilhas viu mudanças significativas ocorrerem em seu país e em toda a Europa.
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Fotografia da Rainha Vitória |
Anos antes de Carrol publicar o livro em questão, a Rainha Vitória, da casa de Hanôver, assumiu o trono britânico, iniciando assim a Era Vitoriana. Silva comenta que foi em seu reinado que o território britânico se expandiu consideravelmente. Porém, o seu governo foi marcado por modelo de valores e moral rigorosos. Além dela, havia a figura do primeiro-ministro, este sim era chefe de governo. Era ele quem tomava todas as decisões político-econômicas do reinado, enquanto a Rainha Vitória tinha pouca influência sob o governo.
Voltando à questão da moral rigorosa implantada em seu governo, podemos citar diversas mudanças e leis implantadas pela monarca. É claro que há diversos outros pontos importantíssimos para ressaltar sobre o reinado de Vitória, porém o foco aqui é tentar capturar quais características históricas foram abordadas ou influenciaram o autor de Alice no País das Maravilhas. Essas influências estão estritamente ligadas ao moralismo e disciplina rígida implantadas na época.
De acordo com o que Barbosa (2007) e Silva mostram em seus estudos, a sociedade da era vitoriana esbanjava moralismos, com preconceitos rígidos e proibições severas. Tudo o que imaginamos como absurdo nos dias de hoje era praticado naquele período como algo normal. Podemos citar a submissão da mulher, ou seja, ela deveria obedecer ao homem e restringir-se aos cuidados da casa e dos filhos. Além disso, ela não podia ir contra nenhuma decisão tomada pelo homem ou pelo governo, senão era considerada como alguém que está doente, com distúrbios de ansiedade. Não só a mulher fora afetada por esse moralismo. Os homossexuais também eram considerados seres imorais. Toda a população britânica deveria prezar pelo trabalho, pelos deveres da fé e defender a moral. Assim sendo, a preguiça e o vício eram vinculados à pobreza e o sexo era algo sujo, animalesco. Este deveria ser tratado entre os casais dentro de suas casas.
Falando neste assunto, é interessante observar a individualização do homem. No campo, as pessoas tinham contato direto com as demais. Já nas cidades, com a concepção de casa, os indivíduos passavam grande parte do tempo dentro de suas residências e não interagiam com os demais.
Mas o que tudo isso tem a ver com Alice no País das Maravilhas? Tudo. Vários desses aspectos foram abordados pelo autor de forma sutil, para que não fossem facilmente percebidos. Iremos abordar alguns desses aspectos históricos presentes no texto de uma forma simbólica, evidenciando a importância do contexto histórico nesse obra.
Charles Dodgson, Pseudônimo Lewis Carroll autor de Alice no País das Maravilhas, fez algumas referências a aspectos da era vitoriana que ele julgava equivocados e para isso utilizou a forma da ironia. Os dois grandes motes observados por ele foram a insatisfação com a burocracia acadêmica e os preconceitos com a criança. (VIEIRA 2010). Naquela época, os aristocratas queriam fazer uma reforma na educação. Carroll participava dessas conversas sobre a mudança, porém não concordava com o que era debatido ali. Além disso, as crianças não eram vistas como tais naquele período, muitas inclusive trabalhavam nas indústrias.
Com base nisso e nos estudos de Vieira (2010), a primeira referência histórica que podemos abordar no livro é com relação a “Corrida do Seca-Seca”. A brincadeira consistia em uma corrida em que os animais sairiam desordenadamente cada uma para um lado, e era muito difícil determinar o vencedor. Aqui, Carroll faz uma alusão à desordem e à falta de produtividade nas reuniões políticas de seu país. As discussões ocorridas nas Câmaras Inglesas também eram feitas com um pequeno grupo de interesse, porém raramente chegavam a um consenso sobre algo. Eram sempre muito confusas. Na língua original, a corrida intitula-se “Caucus-Race”. O termo “caucus”, faz referência às reuniões de líderes de uma facção para determinar um direcionamento político. Na Inglaterra vitoriana, pequenos grupos de aristocratas se reuniam para tentar decidir, o que iria ocorrer (VIEIRA 2010).
No capítulo sete: “Uma louca festa do chá” Carrol continua a referir-se às reuniões da Câmara dos Comuns das quais participava. Referindo-se ao título em inglês “A Mad Tea Party”, party pode significar festa ou um grupo reunido com um propósito. Esta segunda alusão remete-nos às reuniões dos tribunais, e vemos Alice confrontando os argumentos esquisitos da lebre e do Chapeleiro Maluco.
Além disso, segundo Vieira (2010), se compararmos a ilustração do Chapeleiro Maluco de John Tenniel com a figura do primeiro-ministro britânico Gladstone, podemos perceber certas semelhanças. Era exatamente com as ideias deste senhor que Carrol não concordava. Essa personagem alucinada pode fazer referência às ideias absurdas de Gladstone.
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O Chapeleiro Maluco - Ilustração de John Tenniel |
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Fotografia de Gladstone |
Há outra alusão à desordem na política inglesa no capítulo doze, durante o julgamento para saber quem roubou as tortas da rainha. O motivo desse julgamento é inútil, os juízes pararam seus afazeres para julgar esse assunto. Além disso, as leis desse tribunal são absurdas e discriminatórias. Durante o tribunal, Alice vai ficando cada vez maior. Nesse trecho o autor parece estar fazendo uma crítica aos tribunais e ás leis inglesas, mas, ao mesmo tempo parece querer chamar a atenção para a forma como as crianças eram vistas e tratadas na época (VIEIRA, 2010). Como já foi dito, os menores trabalhavam igual aos adultos, sem nenhum direito especial. Mas o objetivo aqui não é esgotar as possibilidades de comparações entre o momento em que Carroll escreveu e partes de sua obra, mas mostrar que na obra em questão o autor levanta várias questões relevantes de sua época, daí a importância do conhecimento do contexto histórico durante o qual ele escreveu.
Referências Bibliográficas
BARBOSA, Renata Cerqueira. A Inglaterra Vitoriana e os usos do passado: Literatura e Influências. 2007. Disponível em: http://www.assis.unesp.br/Home/Eventos/SemanadeHistoria/renata.PDF. Acesso em: 03 mai. 2016.
BRITO, Bruna Perrela. Alice no País das Maravilhas: Uma Crítica à Inglaterra Vitoriana. Disponível em: http://www.mackenzie.br/fileadmin/Graduacao/CCL/projeto_todasasletras/inicie/BrunaBrito.pdf. Acesso em: 04 mai. 2016.
SANTOS, João Pedro Ricaldes de. A Europa no Século XIX. Disponível em: http://humanarte.net/europeus.pdf. Acesso em: 02 mai. 2016.
SILVA, Débora. A Era Vitoriana. Disponível em: http://www.estudopratico.com.br/era-vitoriana/. Acesso em: 03 mai. 2016.
SOUZA, Caroline Garcia de. Lewis Carroll e a Educação Vitoriana em Alice no País das Maravilhas. Disponível em: http://www.wwlivros.com.br/IIjornadaestlit/artigos/estrangeira/SOUZACaroline.pdf. Acesso em: 04 mai. 2016.
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